quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Proclamação da República


Sentado de frente a uma grande janela do meu escritório, que me parecia tão aconchegante de dia, tomo dele uma nova impressão na noite. É tão silencioso e obscuro, capaz até de me tirar o sono e me incentivar a escrever (que não é bem este meu ofício).Só que hoje o dia aparentou-se diferente dos demais.Hoje pela manhã ao revirar papéis antigos, encontrei um pequeno baú que eu havia já esquecido naquela gaveta,pudera, Freud explicaria o fato com muita facilidade. Dentro do baú havia cartas e retratos de antigos amores, troféus de uma criança morta. Por curiosidade resolvi ler as cartas na tentativa de resgatar alguma memória falecida, como quem tenta lembrar de uma vida passada. E ao lê-las eu gargalhava, tal ponto capaz de desopilar meu fígado! Lembrei-me de Pessoa, ou melhor, eu podia sentir seu espectro caçoando de mim. Caçoando da pessoa que realmente há alguns anos atrás acreditava nas cartas de amor e discordava de seu mestre. Como aquilo me doeu, e não foi a dor de uma angustia , foi carne, carne rasgando, meu peito naquele momento tornava-se ferida reaberta.Refiz-me, tomei um banho quente e rápido, pois é lá que reflito sobre tudo e nada ao mesmo tempo,meus assuntos internos no banho são altamente volúveis. Depois do banho, arrumei uma mala e decidi viajar, rever velhos amigos, na esperança de estarem no mesmo lugar onde os deixei. Mamãe despediu-se com o sorriso de sempre e a velha máxima “Juízo meu filho!”. Para o meu alívio todos estavam onde os deixei. Eles não envelheceram, nem sequer tem novidades, o tempo ali parece ter parado após minha saída.
Eu agora tinha chegado ao meu objetivo do dia, mas uma meta traçada no impulso do coração carece de uma reflexão duvidosa após um curto tempo. Até que nessa reflexão entendi que não era pra estar ali, lembrei de ter me dito que aquele meu passado eu iria enterrar e que aquelas dores nunca mais brotariam,tenho certeza de que na ultima vez que estive aqui, eu deixei uma rosa branca no túmulo dessa história. Tarde demais, uma ida sem preocupação à praça central desenterrou violentamente o meu passado. Ai como dói!Olhar para ela e não sentir nada. Ah!Como fere a carne quando o tempo se mostra mais poderoso que um sentimento!E toda aquela lembrança naquele momento revivida não tem valor nenhum para ambos.
O relógio daqui a pouco irá badalar, me dizendo que são cinco horas da manhã. Faz seis horas que estou de frente para essa grande janela que nada me mostra. O dia vem chegando e a magia do meu escritório tomado de escuridão vai embora. Eu inevitavelmente pego no sono.